Com exceção de Marineuza, todas as entrevistadas, de certo modo, reproduzem em suas vidas parte daquilo que vivenciam na casa dos patrões: pagam a uma jovem do bairro ou alguém mais próximo da família para tomar conta do filho, enquanto elas próprias cuidam da casa e da criança de outra pessoa, o que indica que as reminiscências do regime escravocrata não estão impregnadas apenas nas práticas e nos modos de vida da classe média.

No Brasil, o serviço doméstico, para os senhores da Casa Grande, teve seu advento com o uso da mão de obra indígena, mas se consolidou com os negros africanos. As amas-de-leite influenciaram de forma decisiva a criação do iô-iozinho: os personagens principais das historinhas eram bichos folclóricos da mata, as canções de ninar entoadas em Yoruba até as primeiras palavras de um português, gramaticalmente incorreto, eram ensinadas pelas babás negras. A criação da ama, por vezes, disputava com a da mãe biológica, como relata Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala: “Os cuidados profiláticos de mãe e ama confundiram-se sob a mesma onda de ternura maternal. Quer os cuidados de higiene do corpo, quer os espirituais contra quebrantos e o mau-olhado”.

As mães pretas eram tidas como símbolo de benevolência, da “escravidão adocicada”, porém, como hoje, cuidar do filho branco significava renunciar em parte ou totalmente à criação do filho biológico, que, em alguns casos, era vendido. Segundo a pesquisadora Miriam Moreira Leite, no livro Retratos de Família, acontecia no tempo da escravidão uma situação análoga à das babás que hoje deixam os filhos em outros lugares para cuidar das crianças de classe média e classe média alta. “Além de privar os filhos de seu leite, as amas-de-leite eram exploradas fisicamente ao máximo, tanto quando eram alugadas a instituições para amamentar diversas crianças, como pelo período prolongado que se exigia que aleitassem”.

Perspectiva
Joana, Angélica, Luciene e Marineuza voltaram a estudar. Todas têm expectativas de mudar de ocupação, exceto Marineuza. Luciene desistiu do seu sonho de infância de ser professora de português, mas pretende concluir um curso de telefonista, recepcionista e auxiliar de telemarketing. Joana quer trabalhar cozinhando marmitas e Angélica vai mais longe: depois de terminar o supletivo, pretende fazer um curso do ensino superior. Ainda não escolheu a carreira.

Ao se referirem ao futuro dos filhos desejam uma realidade diferente da própria. Angélica e Luciene pagam reforço escolar para os filhos, porque acreditam que a educação é fundamental. Joana concorda: “O caminho é o estudo . Minha filha faz biscates. Meu sonho era ela estudar e fazer algum curso, não superior, porque aí não tem condições”.

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Casa grande e senzala
Ive Deonísio